Leitura de Clarissa Macedo


Sete caminhos sagrados para o encantamento  



Poeta do sagrado e do questionamento, João Vanderlei de Moraes Filho, em seu “Uno – Tríade para encantamentos”, realiza versos de intensidade. Não de uma intensidade que mergulha no vazio, mas troante, como em “Primeira Pessoa”, que, aliás, é um grande poema.

Com um vocabulário que, ao fim da leitura, constitui um universo simbólico convincente, ainda que corriqueiro, faz emanar de seus versos um mundo revestido duma paisagem vívida, natural e solene. É nítida a influência exercida pela natureza, sobretudo as ‘águas’, princípio e fim de todas as cosias, que, num sentido elementar, povoa a poética de Moraes Filho: “Ficávamos muito tempo por ali, olhando / o desenho da flor d’água / estilhaçada pelo vento”.

Sua poesia firma-se ainda como uma expectadora consciente da finitude e do caminho agressivo e solitário pelo qual segue a sonolenta humanidade. Caminho que se desdobra em “Paredes. Favelas. Casas. Ruas. / Travessas. Vielas. Telhados” e é percorrido por um errante, quase que apagado pela rotina esmagadora que assola a paisagem: “As cores nascem diante de nós atados em preto e branco, / no canto do passarinho voando”. 

Inquietado pela dilaceração do tempo, o eu-lírico constrói, às vezes de uma só tacada, uma reflexão dolorida, marcante dos tempos ‘pós-modernos’, sem perder a beleza que só a poesia inquieta possui: “Em instantes o futuro / se acostumará com o passado / presente frente ao espelho.”.

Versando a natureza – as águas e os pássaros, que livres ecoam pelo universo –, o tempo ou a própria caminhada da vida, tão cotidiana e tão surpreendente, João de Moraes Filho, em seu Uno, subdividido em três partes, todas contendo o encantamento do número sete, elabora uma poesia que não naufraga, que embeleza e que sobrevive “dançando à sombra do firmamento.”.             


Clarissa Macedo
Revisora e escritora. Nasceu em Salvador, em 1988, mas reside em Feira de Santana. Cursa Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural (UEFS). Faz parte das coletâneas Godofredo Filho (2010), Sangue Novo (2011) e Verso e Prosa (2011). Participou, em 2011, da IV Feira do Livro de Feira de Santana e da 10ª Bienal do Livro da Bahia na abertura da Praça de Cordel e Poesia. E-mail: clary_df@hotmail.com